Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Um dos temas fundamentais do evangelho de São Lucas é a oração de Jesus que se torna inspiração e escola para a oração dos seus discípulos. Jesus não precisa dar um curso sobre a necessidade de rezar para convencer os seus seguidores da imprescindibilidade da oração, mas o seu próprio testemunho orante os atrai a ponto de eles mesmos pedirem: “Senhor ensina-nos a rezar” (11,1). Sem a oração perseverante o discípulo não terá condições de permanecer fiel à missão nem resistirá às tentações (22,46). E como no centro da missão do cristão está o amor efetivo e universal e não apenas o amor afetivo e restritivo, a regra de ouro se apresenta como o critério fundamental para o verdadeiro amor: “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”.
Sem a fortaleza interior que nos vem da oração, experiência que nos enraíza em Deus, não seria possível reagir como Jesus nos ensina: oferecer a outra face, dispensar o que foi subtraído… Aos olhos humanos essas reações poderiam significar fraqueza, covardia, subserviência. Mas engana-se quem pensa assim, pois só quem tem um coração e uma mente fortalecidos pela oração pode acreditar e viver isso que Jesus ensina. Não se trata de assumir atitudes passivas diante de injustiças e maldades, mas pelo contrário, só quem é verdadeiramente forte e livre é capaz de não se deixar convencer pelo mal, pois não se esquece da justiça de Deus. Quando se busca fazer valer a sua própria justiça, pagando o mal com mal, aplicando os seus próprios critérios para revidar o mal no mesmo nível, resulta apenas uma atitude vingativa e destruidora inclusive de si mesmo.
O desafio de: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam” reúne o princípio (amar) e a sua aplicação (fazer o bem). Na perspectiva cristã, o ponto de partida para amar, sobretudo os inimigos, não é como muitos equivocadamente pensam, algo que possamos fazer para expressar o nosso afeto ou amizade a quem naturalmente não queremos bem, pois honestamente tais sentimentos não existem para com os nossos inimigos ou perseguidores. Pois se o próprio Jesus nos manda rezar e amar os nossos inimigos é porque eles existem. Por isso, que tentar amá-los com aparentes expressões de afetos positivos poderia nos levar a atitudes teatrais inconsistentes e circunstanciais correndo o risco de serem desmascaradas e sermos acusados de ingênuos ou maliciosos demagogos; tais atitudes nos tornariam hipócritas e cínicos.
Destarte, o primeiro passo para quem deseja viver o desafio evangélico do amor incondicional é contar com ajuda de quem pode, de fato, mudar os corações em vista do bem: “Bendizei os que vos amaldiçoam e rezai por aqueles que vos caluniam”. Bendizer e rezar são dois verbos que se encontram no campo da relação com Deus. Tanto o bendizer (falar bem, benzer, abençoar) quanto o rezar (prostrar-se, suplicar, interceder, pedir) dizem respeito ao bem que esperamos e pedimos que Deus faça aos nossos inimigos, já que humanamente não dispomos por nossas próprias forças da capacidade para tal. Portanto, o primeiro ato de amor não é o que fazemos, mas o que nós pedimos para que Deus faça. É Ele quem vai conceder a graça de iniciarmos um caminho de fazer o bem até aos nossos inimigos, pois também Ele nos faz o grande bem adotando-nos como seus filhos, sem termos esse mérito.
O amor cristão, mesmo sem desconsiderar o aspecto afetivo-sentimental do ser humano, não se deixa condicionar por esse aspecto, mas lança suas raízes numa decisão racional, pois busca dar passos em vista de um bem maior: “Oferece… deixa levar…não peças…faze-o…”. Contudo, o critério fundamental não é a misericórdia humana, mas a misericórdia do Pai que nos transcende e surpreende: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso”. A concepção e a prática da misericórdia não dependem do que compreendemos ou pensamos que ela seja; mas é a misericórdia do Pai revelada no seu Filho que nos ensina como ser misericordiosos.
Assim como o amor (fazer o bem) não parte de nós, mas é fundamentalmente ação do Pai que responde ao nosso pedido (rezai e bendizei), também a misericórdia (expressão concreta do amor incondicional) não pode começar em nós. Quando a misericórdia e o fazer o bem são condicionados por afetos agradáveis e atraentes (amor humano), tornam-se frágeis e limitados, pois não se consegue ir além do que se espera e do que humanamente é possível realizar: “Se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis?”.
O amor cristão cujas expressões concretas e motivações encontramos na prática de Jesus nos leva a reconhecer que não devemos amar apenas o que é digno de ser amado (critérios humanos, inclinações afetivas e naturais), mas somos chamados a amar a todos, inclusive os que não nos amam e não nos fazem o bem. Se os afetos nos atraem para as pessoas que nos são agradáveis e nos fazem bem, só o amor incondicional pode nos fazer alcançar o bem supremo: “Sereis filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os ingratos e os maus”.
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Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana