VI Domingo do Tempo Comum: Lc 6,17.20-26 – A esperança: fundamento das Bem-aventuranças

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Neste Ano Santo, o Jubileu da Esperança, somos chamados a aprofundar o que de fato é a esperança cristã. Não podemos nos iludir alimentando entusiasmos momentâneos nem expectativas ingênuas de que algo bom está por vir. A nossa esperança não se fundamenta num futuro desconhecido sujeito a uma sorte aleatória, mas se fundamenta na fé, e a fé se alimenta no encontro pessoal com o Senhor, aderindo à sua palavra, e se expressa no nosso compromisso de viver a caridade, sobretudo na realização da justiça do Reino de Deus.
As bem-aventuranças proclamadas por Jesus no evangelho de hoje nos colocam diante do grande desafio, isto é, aceitar a verdade do evangelho que, por sua vez, se contrapõe à mentalidade egoísta e materialista de uma sociedade que se afastou dos verdadeiros valores humanos aperfeiçoados e consolidados pela revelação cristã. Para uma sociedade que insiste em proclamar que a felicidade é garantida por uma grande quantidade de bens materiais, na sua maioria supérfluos, Jesus desafia a romper com esta mentalidade e postura de vida, proclamando a verdade aparentemente paradoxal: “Bem-aventurados vós os pobres”. Na sinagoga de Nazaré (4,18), Jesus já apresentara a sua missão como o Ungido pelo Espírito para evangelizar os pobres; portanto, nessa primeira bem-aventurança encontramos o conteúdo e realização desse anúncio. A Boa notícia tem um conteúdo específico, isto é, o Reino de Deus é dos pobres; um tema relevante do evangelho de São Lucas: a preferência pelos pobres e pequenos. Ao longo do seu evangelho, São Lucas chama o discípulo cristão a identificar-se com Jesus, mestre que tem cuidado especial para com os pobres e pequenos, pecadores e aflitos e de todos aqueles que reconhecem a sua dependência de Deus (4,18; 6,20-23; 7,36-50; 14,12-14; 15,1-32; 16,19-31; 18,9-14;19,1-10;21,1-4).
A boa-notícia é essencialmente o convite à participação no Reino de Deus que nos é oferecido gratuitamente e não como prêmio da mega-sena para resolver todos os problemas financeiros, transformando o pobre miserável materialmente em milionário com todas as suas “seguranças econômicas asseguradas”, mas que serão exauridas de forma absoluta um pouco antes de descer à sepultura. Afirmar bem-aventurados os pobres não é canonizar a miséria material; Jesus não declara os pobres felizes porque são ou serão pobres simplesmente, mas porque a eles foi dirigida a boa notícia da salvação, participação no Reino que se realiza no hoje e se plenifica na eternidade, pois a verdadeira felicidade não tem prazo de validade.
Sem comprometer a objetividade do texto, poderíamos afirmar que na verdade só há uma categoria de bem-aventurados, isto é, os pobres. Os três outros apelativos são as expressões reais e concretas desses pobres (os famintos, os que choram, os perseguidos). Segue a mesma lógica da proclamação do texto de Isaías na sinagoga de Nazaré (4,18). Didaticamente poderíamos formular: Jesus foi ungido para anunciar o evangelho aos pobres. Mas quem são esses pobres? Os presos, os cegos, os oprimidos. Portanto, podemos compreender que os pobres são a categoria de base de todas as outras situações.
Assim sendo, podemos ler as quatro bem-aventuranças lucanas numa perspectiva de desdobramento: “Bem-aventurados, vós que agora tendes fome… chorais… sois odiados…”. Só tem fome quem não tem o que comer, portanto, os pobres. Por outro lado, a bem-aventurança não se identifica com a condição de pobreza, de fome, de tristeza, de perseguição, pois se assim o fosse, Jesus reforçaria que iriam continuar pobres, famintos, perseguidos, pois uma vez perdendo essa sua condição, perderiam a causa da felicidade. Mas pelo contrário, os que têm fome serão saciados, os que choram vão rir, os perseguidos terão recompensa. A garantia da felicidade não está na condição atual, mas no fato de que em Jesus as promessas de Deus se cumprem. Os profetas já tinham anunciado que Deus iria intervir eficazmente (cf. Is 49,9.13). Em Jesus, Deus com quem o filho fala constantemente (oração: 6,12), toma a defesa dos pobres, realiza a justiça e oferece a esperança. Por conseguinte, proclamar os pobres bem-aventurados não é abençoar a sua condição de indigência, desespero, mas anunciar que não estão abandonados, sem defesa, Deus visitou o seu povo para libertá-lo.
Por outro lado, para cada bem-aventurança, temos uma denúncia severa de Jesus (“Ai de vós”): aos ricos (antitético: aos pobres), aos saciados (famintos), aos que riem (choram), aos privilegiados (perseguidos). Jesus é severo em relação aos soberbos e hipócritas, sobretudo aqueles que colocam seus bens materiais acima do serviço a Deus e do seu povo (6,24-26; 12,13-21; 16,13-15.19-31; 18,9-14.15-25). Nesses “ais” encontramos um apelo de conversão e não simplesmente anúncio de condenação. Pois tanto as bem-aventuranças como os “ais” são dirigidos aos presentes (vós), portanto gente que veio para ouvir Jesus. Acolher ou não os seus apelos será a chave decisiva para fazer parte ou não dos bem-aventurados (participação no Reino). O evangelho nos coloca sempre diante de uma escolha: ancorar-se numa verdadeira esperança (reconhecer-se pobre, destinatário do evangelho) ou naufragar nas próprias seguranças (ricos: fatura material, prepotência moral, orgulho religioso) que cedo ou tarde conduzirão ao desespero quando vierem a faltar.
Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana