Em casa, sem qualquer expressão de dor ou sofrimento, Monsenhor Ágio Augusto Moreira fez a sua páscoa definitiva. O relógio indicava quatro e meia da manhã dessa quarta-feira, doze de junho. A Diocese de Crato vivenciou grande comoção popular, quando da divulgação da notícia. Era o clérigo mais antigo: 101 anos de vida e 75 de sacerdócio, fielmente dedicados à epifania do divino presente na música, com a qual regeu o seu ministério e a vida dos que lhe foram confiados. Leia mais aqui: http://diocesedecrato.org/a-musica-que-toca-agora-no-ceu-morre-mons-agio-moreira-aos-101-anos/
Há cinquenta e dois anos ele se instalara em Belmonte, hoje distrito de Crato. Aí exercera o serviço pastoral junto aos camponeses. Foram eles, aliás, quem despertaram no então Padre Ágio [o título de monsenhor veio em 2003] a experiência religiosa com a música. Uma noite, estando à janela da casa paroquial de Jamacaru (distrito de Missão Velha), viu-se envolvido pelo canto dos apanhadores de algodão. Percebeu que queria viver para Cristo e para transmitir o ensino da música a quem quer que fosse, por mais humilde que fosse. E do belo monte que descortina o Cariri à sombra da Chapada do Araripe, edificou uma sociedade lírica, a Solibel, mantenedora da Vila da Música e da Escola Heitor Villa Lobos, que hoje atendem mais de 600 pessoas, entre crianças e jovens.
No meio da tarde desta quinta, dia 13, a última Missa com suas exéquias foi rezada. O local escolhido não poderia ser outro: a Vila da Música. No trajeto até aí, tremulavam nas portas e nas janelas das casas bandeiras em tecido preto, sinalizando que a comunidade estava sentida e chorosa. O sol brilhava imponente às três da tarde, mas à primeira nota executada pela Orquestra Padre Davi Moreira muita chuva caiu sobre a quadra poliesportiva da Vila.
Os padres subiram ao altar, em cortejo, trajando estola roxa – sinal de penitência. Elevaram o sacrifício da Missa em sufrágio do irmão no sacerdócio, sob a presidência do bispo diocesano, Dom Gilberto Pastana. Na homilia, ele lembrou as virtudes que constituíram Monsenhor Ágio “sacerdote piedoso, simples e humilde; exímio escritor e músico”. A ele – considerou o bispo – se aplicam as palavras do Apóstolo Paulo: “Combati o bom combate, guardei a fé”.
“A Diocese de Crato entoa hoje uma melodia, uma música espiritual, para que chegue ao coração de Deus as nossas orações e as nossas preces. Apesar do pouco tempo de convivência, Monsenhor Ágio foi, especialmente para mim, um modelo de sacerdote, de testemunho, de obediência e de desapego aos bens do mundo. Que Deus conceda à nossa igreja vocações igualmente santas”, disse Dom Gilberto.
A assembleia (composta por autoridades civis, entre elas o governador do Estado, Camilo Santana, benfeitores da Solibel, professores, alunos e ex-alunos, moradores do distrito, amigos e familiares), também depositou, no altar do Senhor, a alegria da convivência e do aprendizado com o ilustre sacerdote.
Ornado com o ministério sacerdotal, exulta no Céu
A última saudação ao Monsenhor Ágio se deu ao som da sanfona, dos instrumentos de corda e de sopro, por meio dos quais evangelizou gerações.
Na transladação para a sepultura – da Vila da Música à Capela Nossa Senhora das Graças – moradores fizeram filas, carregando coroas de flores, enquanto os padres levavam a urna (era desejo do monsenhor ser sepultado na capela). E entre choros e aplausos, a Salve-Rainha foi entoada pelos moradores, acompanhada de um violino que se fazia ouvir, penoso e triste, no meio da multidão.
Homenagens
O bispo emérito Dom Fernando Panico, que convivera com Monsenhor Ágio por dezesseis anos, enviou mensagem, lida antes da bênção final [da Missa]. “Ele personificava, com autenticidade, a figura de um padre bom, na sua maneira de ser e agir, fazendo-nos ser pessoas melhores, dando-nos um sentido para vivermos em comunidade cristã”.
Dom Edimilson Neves, bispo de Tianguá, também enviou mensagem. Nela, recordou o último encontro entre os dois, em maio passado, no Seminário São José, onde o monsenhor passou algumas semanas, recuperando-se de uma internação: “Tinha um desejo muito grande de viver, mas consciência clara de que os longos anos o fazia cada vez mais próximo da eternidade”.
A coordenadora do Conselho Comunitário do Belmonte, Socorro Duarte, emocionada, partilhou do mesmo sentimento. Disse não ter dúvidas de que Monsenhor Ágio é “um santo homem de Deus”. Com sua simplicidade e humildade foi “o maior prefeito, o maior governador e o maior presidente”, quando, ao fim da tarde, reunia os camponeses para ensinar músicas eruditas e populares. Ela fora sua aluna na Solibel e na antiga Faculdade de Filosofia do Crato. Conviveu com ele durante 50 anos.
“Se hoje eu estudei, tenho curso superior e trabalho, foi por causa do monsenhor. Ele, na sua simplicidade, tirou muita gente da ociosidade e de outras coisas piores. “Caladinho ali na sua casinha, era – foi e será – sempre um grande evangelizador, através da música. Ele deixou um grande legado para todos nós”, afirmou, arrancando longos aplausos da assembleia.
Presente à cerimônia, o governador do Estado, Camilo Santana, recordou as vezes em que subira ao Belmonte com o pai, para ouvir as lições musicais do então Padre Ágio, a quem considerou “exemplo não só do que pregou com o Evangelho, mas o que viveu e o legado que deixa para educação, através da música”. Quantas crianças – considerou – passaram por suas mãos e tiveram esperança na vida.
Como forma de homenageá-lo, garantiu que vai enviar a Assembleia Legislativa uma solicitação, para que à Vila da Música seja acrescentado o nome do monsenhor.