Primariamente, a montanha simboliza o esforço de qualquer subida. Em particular, oração é a elevação da mente a Deus conforme a definição do antigo Catecismo. Para Jesus, no entanto, sua oração eleva todo seu ser humano- divino. Da interioridade, brota a intenção da sua vontade de subir para orar (Lc 9, 28). Jesus decide subir.
A observação própria de Lucas é que, enquanto orava, o rosto de Jesus se altera e suas vestes tornam-se de fulgurante brancura (v. 29). Ao contrário dos demais evangelistas, a transfiguração é tão somente a alteração da face. Embora seja uma mudança na figura, o modo de dizer é sóbrio, se considerarmos a descrição de Mateus: “O seu rosto resplandeceu como o sol” (Mt 27, 2).
A sobriedade indica que Lucas deseja sublinhar que Jesus se pôs face a face na presença do Pai. Se pôs por inteiro. Sua oração é imediação. Os contemplativos chamariam a atenção para tal momento místico, todo singular e indescritível, próprio do Mestre de nossa oração. Não precisaria do auxílio dos discípulos ou de intermediários. Aliás, eles dormem um sono pesado (v. 32). Escolhidos para subirem a montanha com Jesus, não conseguem acompanhá-lo na oração.
Outro aspecto é a datação. Não é um simples detalhe. A alteração facial ocorre oito dias após (v. 28) Jesus ter feito o primeiro anúncio da Paixão (v. 22) e ter vocacionado os discípulos para carregarem a própria cruz, após Ele (v. 24). Se pelo rosto se reconhece a pessoa, a alteração indica um novo modo de percepção pela qual o próprio Senhor permite ser reconhecido. O mesmo rosto será em breve irreconhecível, sem beleza e formosura, desfigurado o aspecto humano (Is 52,14). A desfiguração é outro tipo de alteração.
Surpreende que a conversa de Moisés e Elias, aparecidos envoltos em glória (v. 30-31), se referira precisamente à “partida que iria se consumar em Jerusalém” (v. 31). O contraste é evidente entre a glória de Jesus, vista pelos discípulos (v. 32) e a referência à subida à Jerusalém (cf. 18, 31 s), a apontar para o abismo da morte cuja explicação eles não compreendiam (18, 34).
Pedro não sabia o que dizia (v. 33), segundo a avaliação do narrador. De fato, propusera a provisoriedade das três tendas, ainda que desejasse a permanência do instante: “é bom estarmos aqui”! (v. 33 ).
Diante da glória do reconhecimento dado pelo Pai: “Este é o meu Filho, o Eleito, ouvi-o” (v. 35), resta aos discípulos apenas o silêncio (v. 36). Silêncio do não entendimento? Silêncio da sublimidade do instante? Silêncio do inefável? Silêncio de quem ouviu a Voz? O silêncio ressalta a Voz.
O apóstolo atestaria: “não foi seguindo fábulas sutis, mas por termos sido testemunhas oculares da sua majestade, que vos demos a conhecer o poder e a Vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Pois ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando uma voz vinda da sua Glória lhe disse: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo. Esta voz, nós a ouvimos quando lhe foi dirigida do céu, ao estarmos com ele no monte santo” (2 Pd 1, 16-18).
Nesta Quaresma, que o relato da transfiguração facilite o exercício da oração enquanto subida ou elevação com Cristo à intimidade filial com Deus. Ajude-nos a ouvir a sublimidade da Voz para aprofundarmos o mistério de Cristo. Enfim, desçamos com Ele para a planície onde a vida acontece.