Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Neste dia em que celebramos a Solenidade de São José, esposo da Bem-aventurada Virgem Maria, a liturgia nos convida a contemplar o seu exemplo de homem justo, cuja característica fundamental é o silêncio. Pouca coisa se fala desse grande homem, mas não significa que se diga pouco sobre ele. Ainda que os evangelhos não tenham registrado nenhuma palavra dita pelo esposo de Maria, não podemos deixar de reconhecer que as suas atitudes indicam firmemente as suas grandiosas virtudes, sobretudo no que diz respeito a sua fé e sua incontestável obediência ao plano de Deus. O evangelho de Mateus se abre com a genealogia de Jesus, inserindo-o na história do Povo de Deus que tem por pai Abraão, personagens ilustres como Davi, Salomão, mas que passa também por momentos difíceis, como o exílio da Babilônia; contudo, alcança o seu ponto mais alto no nascimento do Messias Jesus, cuja mãe é esposa de José, filho de Jacó. Mateus quis deixar claro que as promessas feitas no Antigo Testamento se cumpriram no Filho gerado pelo Espírito Santo no seio de Maria, legalmente reconhecido como filho de José, um descendente de Davi, de quem recebeu o nome Jesus (Deus salva).
O evangelista, por sua vez, não se contenta apenas em citar José na árvore genealógica para dar legitimidade real ao menino, cuja origem transcende uma ascendência biológica e cuja concepção no seio virginal de Maria contraria toda a lógica humana e natural.
Considerando o fato de que: “Antes que coabitassem, Maria achou-se grávida”, José vive um verdadeiro pesadelo. Diante dessa realidade e de sua reta consciência, reage com honestidade, uma vez que aquele menino não fora gerado por ele. Vive um verdadeiro dilema: o que teria acontecido com a sua amada esposa?! Certamente os seus projetos de vida conjugal começavam a ruir. E para atenuar as consequências desastrosas do acontecimento, “não querendo execrá-la publicamente, decide abandoná-la silenciosamente” (advérbio grego: lathra, do verbo lathein: esconder). Segundo o costume, o marido podia dar uma carta de divórcio e despedir a sua esposa (Mt 19,8), mas isso deveria ser feito diante de duas ou três testemunhas. Porém, José para preservar Maria de tal vexame, prefere mergulhar o fato no silêncio, que é, como já foi dito, uma das suas principais características. Ele sabe que é no silêncio que se ouve melhor a voz de Deus. Não há dúvidas de que a sua decisão silenciosa se fundamenta numa certeza esperançosa em relação à sua amada; apesar de não poder negar o fato de uma gravidez incompreensível, ele crê que ela não tem culpa, por isso não se permite abrir um processo contra ela (denunciá-la) evitando assim que fosse entregue à morte.
O sonho revela que José não tratou a questão na superficialidade, eximindo-se das suas implicações, mas mergulhado no silêncio, aquilo que tinha se tornado um pesadelo transforma-se em sonho, pois o próprio Deus, através do seu anjo, revela o seu plano de Salvação, que deseja contar com a colaboração humana.
O sonho de São José, mesmo assemelhando-se aos sonhos do Antigo Testamento (José do Egito, Daniel), tem uma diferença fundamental e superior; o sonho do esposo de Maria não precisa ser interpretado, não é um enigma a ser decifrado, mas é revelação de uma missão a ser assumida: “Não temas receber Maria, tua esposa… Ela dará à luz um filho a quem chamarás com o nome de Jesus”. José não precisa interpretar o mandato do anjo, cabe-lhe apenas obedecer; não precisa renunciar à sua paternidade, mas assumi-la como um verdadeiro pai, pois se para gerar uma vida bastam somente alguns segundos, para ser pai é preciso toda uma vida.
A paternidade de José não é inferior pelo fato de ele não ter gerado Jesus, mas a nobreza de sua atitude em acolher e assumir o Filho de Deus, a ponto de estabelecer com Ele uma relação estreitíssima, o que lhe resultou ser identificado como seu pai (Mt 13,55).
Na esteira dos grandes Patriarcas do Antigo Testamento, chamados a serem pais do povo, José aparece como coroamento de toda a história, pois é o primeiro a ver que tudo aquilo que o seu povo aguardava estava se tornando realidade.
Poderíamos fazer uma analogia entre as experiências oníricas de Adão e São José: assim como Adão, depois de ter sido mergulhado no sono, acorda tendo diante de si o grande dom que o próprio Deus lhe preparara, a sua mulher Eva, também José ao acordar do sonho: “agiu como o anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu em casa sua mulher”. Ao Adão solitário, o Senhor Deus para arrancá-lo da solidão entrega-lhe Eva; ao José atribulado pelo pesadelo de ter que perder a sua amada, Deus lhe revela que o seu grande sonho está se realizando e para isso quer contar com ele, devolvendo-lhe a capacidade de sonhar de novo: “Não temas receber Maria, tua mulher!”
Nesse Ano Santo, Jubileu da Esperança, o exemplo de São José nos ensina que é possível transformar nossos pesadelos que beiram ao desespero em sonhos que renovam a esperança, quando fazemos a experiência do encontro com Aquele que nos assegura que não estamos sozinhos, o Deus-conosco, o Emanuel. Que São José, homem da fé e da esperança interceda por todos nós; ele que é patrono da Igreja Universal rogue para que sejamos verdadeiramente peregrinos de Esperança em meio aos pesadelos do mundo.

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana