Eles eram uns poucos peregrinos entoando cânticos tristes, chorosos, que falavam de piedade, perdão e misericórdia. Conduzidos por um padre, seguindo uma cruz de madeira, eles caminhavam, cantavam e recordavam os episódios que antecederam a morte de Cristo, a chamada Via-Sacra.
No meu canto, em silêncio, eu me pus a pensar em quem somos nós na via-crúcis dos dias e da vida. Recordar os passos de Jesus, do julgamento até a crucifixão, pode nos trazer um aprendizado essencial. A Paixão de Cristo continua todos os dias, nos lugares mais ordinários, onde tantos outros inocentes são vítimas da perversidade, do ódio, da mentira, da inveja e da falta de amor.
Ainda hoje, muitas chagas continuam a sangrar, agravadas pelos cravos da injustiça, dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças. Inocentes que sucumbem de forma física ou moral por causa de julgamentos apressados e dos gestos incorretos.
Quem somos nós nessa Via Dolorosa? Seríamos o Judas, com a mesquinhez da traição? O Sinédrio, que condena e julga sem provas, acusando sem motivo? Ou Pedro, renegando o outro por fraqueza? Seríamos Pilatos, que, movido pela hipocrisia, pela soberba do poder e pela indiferença subtrai a capacidade de caridade e, por isso, julga, lava as mãos e manda açoitar? Ou seríamos os soldados, cruéis e carrascos que flagelam e espancam?
Seríamos ainda Simão de Cirene, que se dispõe ajudar a levar a Cruz e os fardos uns dos outros? Verônica, que sabe enxugar a face do condenado? O ladrão, que desdenha do sofrimento alheio? Ou o bom ladrão, que reconhece suas misérias e faz delas pontes para a salvação? Seríamos nós José de Arimatéia, que mesmo com medo de reações, ajuda a descer da cruz? Ou as mulheres de Jerusalém, que após acompanharem tanto sofrimento e crueldade, voltam para dizer que a luz venceu as trevas, a dor transformou-se em consolação e a esperança vive?
Que os quarenta dias que nos separam da Páscoa nos impulsionem a pensar nos sofrimentos que causamos aos outros. Meditar os passos de Jesus nos ajuda a pensar em quem somos nós na via-crúcis dos dias e da vida.
Patricia Mirelly, Porteiras, Ceará, 13/02/2016
jornalista e Assessora de Comunicação da Diocese de Crato
Foto: Maria Fabiana Santos