QUARESMA – CAMPANHA DA FRATERNIDADE


 


Acontecendo no tempo litúrgico da Quaresma, preparação para a celebração da Páscoa da Ressurreição, a Campanha da Fraternidade se propõe um caminho de conversão e alegre esperança.


“Convertei-vos e crede no Evangelho.” (Mc 1, 15b) As primeiras palavras da pregação de Jesus contêm em si o chamado ao arrependimento e mudança de direção de vida – conversão – e esperança na fé da grande Novidade que Jesus vem instaurar, a transformação do mundo da morte para a plena vida – Evangelho.


Neste ano 2018, a Campanha da Fraternidade nos coloca mais uma vez diante dos relacionamentos humanos que clamam por novidade, por superação de toda forma de violência rumo à fraternidade universal de todos num único Pai. Fraternidade e superação da violência, pois “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8).


Quantas formas de violência todos os dias dilaceram a vida humana, a convivência pacífica e construtiva da sociedade, quantos sofrimentos se multiplicam com a degradação humana com requintes sempre mais incompreensíveis e chocantes!


Em sua Mensagem para o Dia da Paz em 2017, o Papa Francisco assim constatava: “Enquanto o século passado foi arrasado por duas guerras mundiais devastadoras, conheceu a ameaça da guerra nuclear e um grande número de outros conflitos, hoje, infelizmente, encontramo-nos a braços com uma terrível guerra mundial aos pedaços. Não é fácil saber se o mundo de hoje seja mais ou menos violento que o de ontem, nem se os meios modernos de comunicação e a mobilidade que carateriza a nossa época nos tornem mais conscientes da violência ou mais rendidos a ela. Seja como for, esta violência que se exerce «aos pedaços», de maneiras diferentes e a variados níveis, provoca enormes sofrimentos de que estamos bem cientes: guerras em diferentes países e continentes; terrorismo, criminalidade e ataques armados imprevisíveis; os abusos sofridos pelos migrantes e as vítimas de tráfico humano; a devastação ambiental. E para quê? Porventura a violência permite alcançar objetivos de valor duradouro? Tudo aquilo que obtém não é, antes, desencadear represálias e espirais de conflitos letais que beneficiam apenas a poucos «senhores da guerra»? A violência não é o remédio para o nosso mundo dilacerado. Responder à violência com a violência leva, na melhor das hipóteses, a migrações forçadas e a atrozes sofrimentos, porque grandes quantidades de recursos são destinadas a fins militares e subtraídas às exigências do dia-a-dia dos jovens, das famílias em dificuldade, dos idosos, dos doentes, da grande maioria dos habitantes da terra. No pior dos casos, pode levar à morte física e espiritual de muitos, se não mesmo de todos.”


E todos os dias, através de formas midiáticas cada vez mais ao vivo instantaneamente, toma-se conhecimento de muitas e novas formas de violência. Mais ainda quando se aproxima de nós por experiência imediata na convivência próxima, no próprio ambiente, na própria cidade, comunidade, na própria família!


Neste tempo especial de Quaresma e de Campanha para a Fraternidade, o anúncio da Boa Nova, do Evangelho, ressoa como novidade que sempre é, mas como esperança e luz que pode guiar a novo caminho para o homem, para a sociedade, para a humanidade toda.


“O próprio Jesus viveu em tempos de violência. Ensinou que o verdadeiro campo de batalha, onde se defrontam a violência e a paz, é o coração humano: «Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos» (Marcos 7, 21). Mas, perante esta realidade, a resposta que oferece a mensagem de Cristo é radicalmente positiva: Ele pregou incansavelmente o amor incondicional de Deus, que acolhe e perdoa, e ensinou os seus discípulos a amar os inimigos (cf. Mateus 5, 44) e a oferecer a outra face (cf. Mateus 5, 39). Quando impediu, aqueles que acusavam a adúltera, de a lapidar (cf. João 8, 1-11) e na noite antes de morrer, quando disse a Pedro para repor a espada na bainha (cf. Mateus 26, 52), Jesus traçou o caminho da não-violência que Ele percorreu até ao fim, até à cruz, tendo assim estabelecido a paz e destruído a hostilidade (cf. Efésios 2, 14-16). Por isso, quem acolhe a Boa Nova de Jesus, sabe reconhecer a violência que carrega dentro de si e deixa-se curar pela misericórdia de Deus, tornando-se assim, por sua vez, instrumento de reconciliação, como exortava São Francisco de Assis: «A paz que anunciais com os lábios, conservai-a ainda mais abundante nos vossos corações». Hoje, ser verdadeiro discípulo de Jesus significa aderir também à sua proposta de não-violência.”( Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2017 – Papa Francisco, 3.)


Esta, como afirmou o Papa Emérito Bento XVI, “é realista pois considera que no mundo existe demasiada violência, demasiada injustiça e, portanto, não se pode superar esta situação, exceto se lhe contrapuser algo mais de amor, algo mais de bondade. Este “algo mais” vem de Deus”.E acrescentava sem hesitação: “a não-violência para os cristãos não é um mero comportamento tático, mas um modo de ser da pessoa, uma atitude de quem está tão convicto do amor de Deus e do seu poder que não tem medo de enfrentar o mal somente com as armas do amor e da verdade. O amor ao inimigo constitui o núcleo da “revolução cristã”. A página evangélica – amai os vossos inimigos (cf. Lucas 6, 27) – é, justamente, considerada “a magna carta da não-violência cristã”: esta não consiste “em render-se ao mal (…), mas em responder ao mal com o bem (cf. Romanos 12, 17-21), quebrando dessa forma a corrente da injustiça”. A violência que se faz repressão nunca poderá ser a solução.


Mais poderosa que a violência, assim testemunhou Madre Teresa ao receber o Prêmio Nobel da Paz em 1979: “Na nossa família, não temos necessidade de bombas e de armas, não precisamos de destruir para edificar a paz, mas apenas de estar juntos, de nos amarmos uns aos outros (…). E poderemos superar todo o mal que há no mundo”. Com efeito, a força das armas é enganadora. “Enquanto os traficantes de armas fazem o seu trabalho, há pobres pacificadores que, só para ajudar uma pessoa, outra e outra, dão a vida”. Para estes obreiros da paz,  Madre Teresa é “um símbolo, um ícone dos nossos tempos”.


E buscando a origem da violêcia a ser superada, ainda se expressou o Papa Francisco: “Se a origem donde brota a violência é o coração humano, então é fundamental começar por percorrer a senda da não-violência dentro da família. … Esta constitui o cadinho indispensável no qual cônjuges, pais e filhos, irmãos e irmãs aprendem a comunicar e a cuidar uns dos outros desinteressadamente e onde os atritos, ou mesmo os conflitos, devem ser superados, não pela força, mas com o diálogo, o respeito, a busca do bem do outro, a misericórdia e o perdão. A partir da família, a alegria do amor propaga-se pelo mundo, irradiando para toda a sociedade. Aliás, uma ética de fraternidade e coexistência pacífica entre as pessoas e entre os povos não se pode basear na lógica do medo, da violência e do fechamento, mas na responsabilidade, no respeito e no diálogo sincero”.


Por isso, as políticas de não-violência devem começar dentro das paredes de casa para, depois, se difundir por toda a família humana. “O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convida-nos a pôr em prática o pequeno caminho do amor, a não perder a oportunidade duma palavra gentil, dum sorriso, de qualquer pequeno gesto que semeie paz e amizade. Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo”.


Somos chamados a dar as mãos, a unir os corações!


+ José Antonio Aparecido Tosi Marques

Arcebispo Metropolitano de Fortaleza