Dom João Justino de Medeiros Silva
Arcebispo de Montes Claros
As últimas semanas trouxeram muitas mudanças no ritmo de nossas vidas. Desde que a Organização Mundial de Saúde – OMS reconheceu a disseminação do novo coronavírus em tantos locais do mundo e declarou a situação de pandemia, esse se tornou o principal assunto das conversas e dos meios de comunicação social. Quando paramos para assistir a um telejornal ficamos impressionados com a gravidade das estatísticas. Cenas chocantes vieram, a título de exemplo, da Itália, que soma mais de 12 mil mortos, com caminhões levando caixões para serem cremados. Também a Espanha ultrapassou o número de 10 mil mortos, entre eles profissionais da área da saúde. A cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, onde vivem mais de 100 mil moradores de ruas, por falta de lugares nos abrigos, estabeleceu que fossem colocados em estacionamentos, delimitando distância entre eles. No Equador há corpos cobertos nas ruas, aguardando ser levados para o cemitério. Lá há dificuldades até para a emissão de certidão de óbito, dificultando o sepultamento. Nada pode ser mais duro nesse momento que a impossibilidade das famílias acompanharem os enfermos nos hospitais e não poderem, sequer, enterrar seus mortos. Nossa geração jamais viu um cenário assim. Quem pensou ver o Estádio do Pacaembu, em São Paulo, transformado em hospital de campanha?
O Brasil tem o seu dever de casa a fazer. O Ministério da Saúde tem se desdobrado para sensibilizar os governantes e a população sobre a gravidade do que já chegou e do que está por vir. Iniciativas diversas do governo federal para socorrer os mais vulneráveis diante da crise econômica, desencadeada pela necessidade do isolamento social, estão sendo implementadas em meio a muitas discussões de ordem técnica e política. Grandes pensadores, como Yuval Noah Harari e Byung-Chul Han, se manifestaram apontando que o mundo será outro depois da COVID-19. Com certeza, a tarefa de repensar o modo de viver é inadiável.
A Igreja busca fazer sua parte, testemunhando o serviço da caridade, anunciando o Evangelho da Vida e animando as pessoas para a compaixão. As imagens do papa Francisco caminhando só na Praça de São Pedro para a benção Urbi et orbi, no último dia 27 de março, rodaram o mundo. Suas palavras de esperança apontaram para o mistério de Jesus Cristo, crucificado-ressuscitado: “Temos uma âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor”.
Descobrimos, na dor, que estamos interligados uns aos outros mais do que comumente percebemos, e a fraternidade e a solidariedade não ficam canceladas pelo isolamento. Antes, o próprio isolamento recupera o brilho das relações humanas. Todos dependemos uns dos outros. A quarentena indicada pelas autoridades sanitárias impede todo o mundo cristão de celebrar nas igrejas, com o povo, a sua mais importante festa: a Páscoa da Ressurreição. Viveremos a Semana Santa deste ano em casa, com a família, muitos até mesmo sós. Ressoe nos corações a palavra de Jesus: “No mundo passareis tribulações; mas tende ânimo, pois eu venci o mundo” (Jo 16,33).