Bispo auxiliar de Belém do Pará (PA)
No artigo anterior refletimos sobre a realidade da pobreza em nossa sociedade e as diversas manifestações da sensibilidade típica do tempo do Natal. Elas são positivas, boas, ajudam, mas não são suficientes. As carências humanas mais profundas não são momentâneas, por isso, é necessário que nos esforcemos para estimular a cultura da solidariedade como compromisso permanente de promoção da justiça, de cuidado com a dignidade humana e senso permanente de responsabilidade social que emerge da nossa fé em Deus. A nossa fé tem uma dimensão social.
A fé em dois níveis: pessoal e institucional
Queremos lhe convidar para a reflexão sobre a dimensão pessoal e institucional da caridade, como consequência da assimilação da fé em Jesus Cristo. Antes de tudo, a fé é um dom dado por Deus às pessoas. Mas não é para o seu puro consumo privado!
Em nível pessoal, a fé não deve ser aprisionada no intelecto do indivíduo, como pura convicção conceitual; o fiel é convidado a tornar-se capaz de imitar as atitudes de Jesus Cristo. Não devemos seguir o Mestre somente no conhecimento das suas palavras, mas sobretudo, seguindo as suas atitudes e reproduzindo em nós a sua sensibilidade, seus gestos, opções e atitudes. Jesus viveu para os outros!
A experiência de fé dos indivíduos gera e define o perfil das instituições cristãs. Por isso uma instituição de inspiração cristã não tem a liberdade de contrariar com suas ações, a sua fonte inspiradora, senão é gravemente acusada de incoerência. É o caso da Igreja! A Igreja, fiel ao seu Mestre e Senhor, não é livre para decidir o conteúdo da evangelização. Pela fé e impulsionada pelo Amor, não lhe resta outra atitude do que aquela da obediência a Cristo deixando-se orientar por suas palavras, gestos, opções fundamentais e atitudes.
A Iniciação à Vida Cristã
A assimilação dessa verdade só é possível quando a evangelização é profunda e a abraça exercícios de vida. Essa é a tarefa da Iniciação à Vida Cristã. Uma verdadeira iniciação à vida cristã, não deve, de forma alguma, ser profunda sem estimular o compromisso de promoção do Reino de Deus. Esse dinamismo está presente no rito da entrega do Pai Nosso que não significa simplesmente o início de um processo de estudo dessa oração, mas deve ser acompanhado por iniciativas e experiências concretas de encontro com os mais necessitados, no exercício da Igreja em saída e da dimensão social da fé, da esperança e da caridade.
Ser cristão não é ser adepto de uma filosofia sobre Jesus Cristo. Não interessa ao discípulo de Jesus Cristo, somente suas ideias, mas a totalidade da sua vida que se torna regra viva de vida para si.
Os discípulos de Jesus Cristo são chamados a assumir seus sentimentos e sua mentalidade (cf. Rm 15,5; Fl 2,2.5; 1Cor 2,16). Por isso, explicita o apóstolo Paulo: “Como escolhidos de Deus, santos e amados, vistam-se de sentimentos de compaixão, bondade, humildade, mansidão, paciência. Suportem-se uns aos outros e se perdoem mutuamente, sempre que tiverem queixa contra alguém. Cada um perdoe o outro, do mesmo modo que o Senhor perdoou vocês. E acima de tudo, vistam-se com o amor, que é o laço da perfeição” (Cl 2,12-15).
A Responsabilidade Social da Paróquia
A fé abraça a totalidade das dimensões da vida da pessoa. Numa perspectiva institucional, isso significa que a paróquia deve ser uma comunidade que, movida pela Fé em Jesus Cristo e no seu Reino, está continuamente se exercitando na responsabilidade social que brota da Esperança. A Esperança do Reino de Deus é grávida de compromissos, porque o Amor é zeloso, amante da vida e da salvação integral.
Assim como tantas outras instituições, também a paróquia tem uma séria responsabilidade social que vai muito além das atividades institucionais, contábeis, administrativas e litúrgicas porque a sua missão transcende as exigências terrenas e brilha através da paixão pela vida, pela santidade, pela ética, etc. O sonho do paraíso e da plenitude da vida nos adverte para nos livrarmos das negligências e desvios. O paraíso que tanto pregamos, é fonte de todas as formas de cuidado. Santidade é cuidado e, isso deve estar no coração das nossas instituições católicas. Cuidar das pessoas!
Tudo isso nos convoca a estarmos atentos em nossas paróquias para não cairmos em alguns perigos como: o mal da miopia que nos induz à falta de percepção das necessidades humanas (assim, já não seríamos marianos!); o mal de um dinamismo pastoral desequilibrado onde se dá muita importância à liturgia, mas sendo omissos ou frios em relação aos clamores humanos presentes no território onde estamos; o mal de uma seletividade teológica desviante que nega a totalidade das dimensões da vida pastoral; enfim, o mal do apego ao técnico e aos números que nos leva a cair no grave perigo do conformismo e dessa forma deixamos de lado o dinamismo do Bom Pastor capaz de deixar as 99 ovelhas no curral e sair aventurando-se em busca daquela ovelha que se desgarrou (cf. Lc 15,4-7). Isso é ser Igreja em saída, jamais conformista, arrivista e instalada!
O povo tem múltiplas fomes e sedes
Não seremos verdadeiramente honestos com a nossa missão de agentes pastorais, ou seja, discípulos missionários que agem como bons pastores, se não tivermos uma clara visão das necessidades humanas que pressupõe o reconhecimento da pluridimensionalidade do ser humano. Não há uma verdadeira vida pastoral numa comunidade ou paróquia se não houver uma honesta antropologia; uma visão fragmentada do ser humano gera uma pastoral distorcida.
É por isso que a paróquia, diante da sua responsabilidade social não deve ser míope e nem negligente. Pesa sobre os seus gestores, o pároco e seus colaboradores mais diretos (CPP), o dever de visibilizar o Reino de Deus. Jesus não só descia ao submundo dos pobres, mas assumia atitudes transformadoras em prol da vida deles (cf. Lc 4,38-41). É impressionante o que descreve São Lucas a respeito da sensibilidade social de Jesus e sua força transformadora: “Jesus desceu da montanha com os doze apóstolos, e parou num lugar plano. Estava aí numerosa multidão de seus discípulos com muita gente do povo de toda a Judéia, de Jerusalém, e do litoral de Tiro e Sidônia. Foram para ouvir Jesus e serem curados de suas doenças. E aqueles que estavam atormentados por espíritos maus, foram curados. Toda a multidão procurava tocar em Jesus, porque uma força saía dele, e curava a todos” (Lc 6,17-19).
Com a mesma intensidade observa São Mateus dizendo: “Jesus foi para a margem do mar da Galiléia, subiu a montanha, e sentou-se. Numerosas multidões se aproximaram de Jesus, levando consigo coxos, aleijados, cegos, mudos, e muitos outros doentes. Então os colocaram aos pés de Jesus. E ele os curou. As multidões ficaram admiradas, vendo que os mudos falavam, os aleijados saravam, os coxos andavam e os cegos viam. E glorificaram o Deus de Israel” (Mt 15,29-31). Essa é a cesta de Jesus! Recheada de resposta a todas as necessidades humanas. Esse é o parâmetro permanente que devemos seguir: dar atenção pastoral à totalidade do ser humano.
PARA A REFLEXÃO PESSOAL
Qual é a tarefa da Catequese de Iniciação à Vida Cristã?
Por que a Paróquia tem uma responsabilidade social?
Como se manifestava a sensibilidade social de Jesus e o que isso nos provoca em nível pessoal e institucional?