O convite de Deus, pela voz da sua Igreja, nos vem para refletir sobre nossa realidade pecadora, não dentro de um olhar pessimista da contraditória existência humana, mas sim do Deus que quer abrir mentes e corações ao seu amor infinito. Ele exige de seus seguidores um compromisso franco, sincero e repleto de esperança, num grau de clareza, de tal modo que, se o pecado de Adão entrou no mundo – sendo causa de morte e escuridão –, a obediência de Cristo, o novo Adão, ocasiona-nos, segundo a promessa divina, a restauração do mundo, sendo ele mesmo remédio aos males da humanidade.
Que os sinais da graça de Deus, pela caridade, pela oração e pelo jejum, neste início de Quaresma, permeiem nosso compromisso com o mesmo Deus, na comunidade dos batizados. A celebração da Quarta-feira de Cinzas nos diz: “Voltai a mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos, rasgando o vosso coração, e não as vossas vestes” (Jl 2, 12). Portanto, somos convencidos, evidentemente, de que a essência da conversão é, de verdade, um coração aberto, generoso e contrito, no qual se supõe um forte desejo de mudança, de vida interior.
Pensemos, pois, nas cinzas – matéria tão leve, mas que se dispersa num sopro – que são colocadas nas cabeças dos fiéis seguidores, que buscam Jesus de Nazaré! Elas nos revelam que não somos nada, como nos dizem as palavras do Livro Sagrado: “Minha existência, perante Ti, Senhor, é como um nada” (Sl 39, 6). Assim sendo, ante essa indizível verdade, o orgulho humano é convidado a declinar e a desfazer-se, transformando-se em fragmentos ou migalhas, na apropriação dos incomparáveis bens ou dons de Deus.
Comovidos por nossa própria humildade, oriunda de um Deus terno e afável, numa viva esperança, a Igreja convida os seus filhos, neste tempo favorável e de graça, a inclinar a fronte para acolher as cinzas, num visível sinal de humildade, num pedido de perdão pelos seus pecados e pelos de toda a humanidade, na certeza de que Deus quer a conversão interior dos irmãos de boa vontade, respondendo, não só com súplicas e louvores, mas, sobretudo, com o coração aberto, lembrando que todos são chamados a mergulharem no mistério do amor de Deus.
Nos caminhos do referido mistério, aplacados por nossas boas obras, é importante não prescindir da inclusão de tal prática para todas as pessoas necessitadas de conversão, inclusive as mais virtuosas, muitas vezes tidas como puras e santas, mas que necessitam igualmente de conversão, próximas destas verdades: seu nada, sua condição vulnerável e sua realidade mortal. Assim seja!