O Documento 107, que trata da Iniciação à Vida Cristã, faz em um parágrafo a memória da inquietação que já havia no Concílio Vaticano II no que toca à catequese, e mais que isso, ao processo como as pessoas eram iniciadas na vida cristã. Assim, o que Documento da CNBB propõe hoje para a Igreja no Brasil, é já, de longas datas, uma aspiração do Vaticano II. Por isso, aqui pretendemos expor o contexto para tal aspiração e os elementos nucleares já expostos pelo Concílio, em vista de uma mais eficaz iniciação à vida cristã.
As comissões preparatórias do Concílio, no geral, foram predominantemente compostas pelo episcopado europeu e por peritos do mesmo continente, do mesmo modo, quando das consultas, a maior participação foi também de origem europeia. Mas o que isto influencia na iniciação cristã?
Desde meados do século XIX a Europa vinha vivendo mais intensamente a descristianização de suas famílias e instituições, isto quer dizer que o ensinamento católico, mais que no conteúdo, no método, estava sendo questionado. As pessoas que tinham recebido os sacramentos, facilmente ingressavam nas fileiras das revoluções que aconteceram naquelas décadas, assim, o método de ensino católico, vindo da tradição nos moldes de cristandade mostrava-se insuficiente para dar bases sólidas à comunidade de fé. Deste modo, os padres conciliares pensaram uma catequese que até então chamaram de catecumenal, isso com a contribuição dos estudiosos da patrística que propunham um movimento de retorno às fontes.
Antes do Concílio, os movimentos de renovação, foram abundantemente frutuosos e não pouco rejeitados pela oficialidade da Igreja, no entanto, com São João XXIII e o Beato Paulo VI, esses movimentos assumiram a vanguarda do Concílio, inclusive permitindo responder à pergunta pelo método de transmissão da fé que desse maior solidez aos iniciados: o método catecumenal.
A aplicação desse método tem passado por várias tentativas, como demonstra o Documento 107, sobretudo no seu segundo capítulo. Por isso, a Igreja do Brasil aspira, continuamente, atender aos anseios do Concílio e proporcionar uma catequese que responda aos desafios atuais.
A questão catecumenal, como iniciação à vida cristã, dentro do Concílio, tem sua inspiração nas primeiras comunidades, deste modo, o IVC pretende este retorno ao primeiro modelo de catecumenato, onde ser cristão era ser marcado por uma ruptura radical, nessa relação ‘trevas e luz’, assim, a IVC quer ir além de distribuir sacramentos, ela quer um modelo de inserção que leve as pessoas a se configurarem a Cristo. A se sentirem enxertadas de fato no corpo de Cristo.
A tarefa da IVC encontra, seguramente, diversos obstáculos, como bem lembra o Doc. 107, mas parece-me que em especial, na nossa cultura católica, surge o desafio da rapidez dos processos de iniciação cristã. As pessoas desejam celeridade para receberem os sacramentos, normalmente rejeitam processos que se inclinem para um tempo mais demorado. É também um desafio o dar-se conta de que precisamos apostar nesse processo, todo e toda a Igreja: sacerdotes e laicato. É um trabalho em conjunto, na construção de outra cultura na relação com a comunidade e com os sacramentos.
A Didaqué, o catecismo dos primeiros cristãos, entende que a adesão a Cristo não pode ser regida por um costume, mas por posturas que envolvem o culto, os costumes e a ética. Essa adesão radical está nas primeiras comunidades, especialmente quando a Didaqué (I,2) diz que “o caminho da vida é este: em primeiro lugar, ame a Deus, que criou você. Em segundo lugar, ame a seu próximo como a si mesmo. Não faça a outro nada daquilo que você não quer que façam a você”.
O Concílio, na Ad Gentes 14 ao mencionar que “o catecumenato não é mera exposição de dogmas e preceitos, mas uma educação de toda a vida cristã”, está pensando semelhante à Didaqué, numa vida radicalmente marcada por Cristo, no culto, nos costumes e na ética, de sorte que os cristãos possam dar verdadeiro testemunho da caridade de Cristo, e não sejam meros compêndios doutrinais. Assim, a IVC é um caminho aspirado pelo Concilio e mais uma vez animado no Brasil, agora pelo Doc. 107.
Portanto, como diz o próprio Vaticano II, AG 14: “a iniciação cristã no catecumenato não é apenas tarefa dos catequistas e sacerdotes, mas de toda a comunidade dos fiéis”. De modo que toda a comunidade está envolvida nesse processo de inserção, que é litúrgico e catequético, como modo de enfrentar os desafios da secularização hoje e marcar o mundo com a presença de Cristo.
Pe. Abimael Francisco do Nascimento, msc
Mestre em Teologia Sistemática
Pároco da Paróquia Nossa Senhora do Sagrado Coração – Aerolândia
Abimael. nascimento@yahoo.com.br