Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Neste II Domingo da Quaresma, como todos os anos, o evangelho nos apresenta a cena da Transfiguração; diferentemente do contexto da Festa da Transfiguração celebrada no dia 06 de agosto, a perspectiva hodierna nos insere no caminho quaresmal de purificação e iluminação dos catecúmenos e de toda a comunidade cristã rumo à celebração anual da Páscoa, cujo objetivo é também a transfiguração da comunidade mergulhada na morte e ressurreição do Senhor e iluminada pela glória da sua vitória na cruz.
Também na sua narrativa, São Lucas tem suas peculiaridades que ajudam a aprofundar o significado desse “Mistério de Luz por excelência pois nele a glória da divindade reluz no rosto de Cristo, enquanto o Pai o credencia aos apóstolos extasiados para que o escutem e se disponham a viver com Ele o momento doloroso da paixão, a fim de chegarem com Ele à glória da ressurreição e a uma vida transfigurada pelo Espírito Santo” (Rosarium Virginis Mariae, n. 21).
Por questões de adaptação à leitura litúrgica, o texto do lecionário inicia com as palavras “Naquele tempo”, porém no evangelho encontramos uma informação muito importante para a iluminação do texto que segue: “Mais ou menos oito dias depois destas palavras”. Isto significa que há uma relação intrínseca entre as duas cenas (transfiguração e profissão de fé dos discípulos e anúncio da morte: 9,18-27, o contexto de ambas é Jesus em oração: 18.28). Se a profissão de fé dos apóstolos, “Jesus é o Cristo de Deus”, é esclarecida pelas palavras do Mestre ao anunciar a sua paixão, morte e ressurreição, contradizendo totalmente todas as expectativas messiânicas do tempo, a cena da transfiguração confirma a verdade anunciada. Sem dúvidas, os discípulos ficaram mais impressionados e chocados com o anúncio da paixão e morte de Jesus do que com a certeza da sua ressurreição. Por isso, a cena da Transfiguração retoma o anúncio da vitória de Cristo para socorrer os discípulos no momento da crise que se dará por ocasião da morte do seu Senhor. Contudo, a certeza da vitória do crucificado, dada pela manifestação da glória, não minimiza nem exclui o sofrimento e a morte: “(Moisés e Elias) revestidos de glória conversavam sobre a morte (grego: êxodos) que Jesus iria sofrer em Jerusalém”.
Se por um momento os discípulos se fixaram atônitos no anúncio da paixão e morte, agora diante da glória de Jesus permanecem extasiados e querem impedi-lo de prosseguir o caminho da realização de sua missão: “Mestre, é bom estarmos aqui”; poderíamos dizer que a “boa vontade” de Pedro se assemelha às propostas tentadoras do Diabo (I Domingo) que, por sua vez, propõe a Jesus ser um Messias, Filho de Deus, sem sacrifício (pão para fome), sem renúncia (reinos mundanos) e sem cruz (com escudos de proteção).
Tanto as tentações do Diabo quanto a tentação de Pedro são vencidas pela fidelidade do Filho ao Pai, cuja voz se faz ouvir: “Este é o meu Filho, o Eleito”. Contudo, a voz do Pai não é apenas para confirmar a filiação divina de Jesus, que o fez vencedor das tentações, mas também indica o caminho para que os discípulos sejam capazes de vencer as próprias tentações, isto é, “Escutai o que Ele diz” (grego imperativo ativo: akouete, escutar permanentemente). Portanto, o discípulo de Jesus que se empenha no combate contra as tentações não as vencerá se, de fato, não escutar o que o Mestre diz sempre. No contexto que emoldura a cena da Transfiguração temos palavras de Jesus imprescindíveis: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz cada dia, e siga-me” (9,23).
A maior tentação de quem quer vencer as tentações é querer ouvir pontual e instantaneamente palavras ou gestos mágicos que lhe deem forças para não cair; não será a recitação escrupulosa de uma ou outra oração que me fortalecerá na luta; não será um ato de piedade praticado isoladamente que me assegurará a superação de quedas; não será salpicando compulsivamente água benta em pessoas ou coisas que a ação do mal será neutralizada, mas por ter sido mergulhado nas águas do batismo e vivendo as consequências desse mergulho, renunciando ao mal e professando a fé de filho de Deus é que certamente estaremos banindo o mal.
Não adianta tentar negociar com o diabo para que desista de nos tentar apenas usando nossas palavras e argumentações falaciosas e ambivalentes. É preciso crescer no diálogo com a Palavra de Deus, a única que ilumina caminhos e fortalece os corações.
Ao ouvir a ordem do Pai, “os discípulos mantiveram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram coisa alguma do que tinham visto”. Neste caminho quaresmal, sem dúvida, o grande desafio é silenciar para ouvir bem o Filho de Deus, pois Ele nos fala constantemente. Quem sabe, aproveitaríamos melhor esse tempo favorável da Quaresma para, assumindo atitudes firmes e corajosas, vencermos a tentação de liturgias barulhentas que dispersam mais do que ajudam no silêncio indispensável para a escuta da Palavra; quanto seria útil no fortalecimento contra as tentações evitar comentários maldosos e destruidores em relação a pessoas que, de forma gratuita e injusta, criticamos; daríamos passos decisivos para vencer as tentações se nos levantássemos do comodismo de nossas tendas bem armadas para ir ao encontro de pessoas doentes nos hospitais ou nas suas casas, abandonadas pela indiferença, inclusive de parentes, mas necessitadas de gestos de solidariedade que lhes infundam esperança, ajudando-as a subir o calvário na certeza de que lá a glória do Tabor também as alcança.
Não vencemos as tentações simplesmente porque corremos do diabo, mas porque seguimos a Cristo; não vencemos as tentações porque discutimos com o diabo e lhe damos gritos com nossas argumentações teológicas ou devocionais, mas porque ouvimos a Palavra Daquele que quer nos falar sempre, mas que nem sempre encontra ouvidos atentos, corações abertos e disponibilidade para segui-Lo. Pois só Ele vence, e só com Ele venceremos.

Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana