O Portal da CNBB convidou os quatro bispos brasileiros que integram o Conselho Pós-Sinodal para aprofundarem os quatro sonhos do Papa que integram a exortação pós sinodal “Querida Amazônia”. Ao arcebispo de Porto Velho (RO), dom Roque Paloschi e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) coube falar do capítulo II que expressa o “sonho cultural” do Santo Padre para o bioma.
Dom Roque é um dos 13 membros do Conselho pós-sinodal do Sínodo especial para a Região Pan-Amazônica, ao qual cabe a tarefa de aplicar as indicações da Assembleia dos Bispos, que foram eleitos por maioria absoluta durante a 15ª Congregação Geral do Sínodo amazônico, realizada em de outubro de 2019. Os outros três foram nomeados pelo Papa Francisco.
É importante deixar claro, para efeito desta série de matérias, que os quatro sonhos compartilhados pelo Santo Padre estão interligados. Nas palavras de dom Roque: “O sonho social depende do sonho cultural e, assim, sucessivamente. São os quatro sonhos juntos que se tornam expressão do Projeto do Reino que a Igreja sonha abraçar para que haja vida, e vida em abundância para a querida Amazônia”.
A Amazônia e seus povos como protagonistas
Segundo o bispo, o sonho cultural do Papa para a Amazônia é extremamente altruísta. De acordo com ele, o destaque do Capítulo II da Exortação está no reconhecimento da Amazônia como protagonista de seu caminho e no convite para a Igreja, estendido a todas as pessoas de bem, para ajudar a Amazônia a tirar o melhor de si.
“O Santo Padre deixa claro que a prática colonizadora de antigamente deve ser radicalmente substituída por uma ação evangelizadora-educativa que tem o compromisso responsável de: ‘cultivar sem desenraizar, fazer crescer sem enfraquecer a identidade, promover sem invadir’ (28) a cultura dos povos amazônicos”, ressalta.
A imagem de um poliedro, objeto geométrico que possui várias faces, segundo dom Roque, destaca o reconhecimento e a valorização da diversidade cultural dos povos amazônicos como riqueza a ser compartilhada e protegida: “…na Amazônia, encontram-se milhares de comunidades de indígenas, afrodescendentes, ribeirinhos e habitantes das cidades que, por sua vez, são muito diferentes entre si e abrigam uma grande diversidade humana” (32).
Mensagem para os povos Amazônicos: “cuidar das raízes”
A mensagem central do Capítulo II para os povos amazônicos, segundo o arcebispo, pode ser resumida na frase usada pelo Papa Francisco no parágrafo 33: “Cuidar das raízes”. “Mais do que um conselho ou um alerta, é um apelo dirigido aos povos indígenas, principalmente aos mais jovens”, disse.
Dom Roque aponta que cuidar das raízes, para o Sumo Pontífice na Exortação, significa proteger-se da lógica consumista imposta pelo capitalismo que transforma tudo em objeto de consumo, inclusive a cultura de um povo.
O papa recorda que “para evitar esta dinâmica de empobrecimento humano, é preciso amar as raízes e cuidar delas” (33), e isso se faz promovendo o autoconhecimento cultural, com ações como estudar a própria língua e escrever a história do seu povo; valorizando a própria cultura através do resgate de costumes, ritos e festas e da escuta dos anciãos; recuperar o sentido de povo para ajudar-se e organizar-se e, assim, resistir e vencer os grandes desafios da sociedade atual na qual, querendo ou não, estão inseridos.
Mas, principalmente recorda o presidente do Cimi, o Papa exorta os povos amazônicos a resgatarem sua identidade de guardiões da natureza e, assim, tornarem-se testemunhas da vocação de guardiões da vida que Deus deu a todos nós.
Convite para Igreja a uma conversão integral
Dom Roque acentua que o nome dado à exortação já fala do apelo central para a Igreja que é de uma conversão integral. A mudança, aponta dom Roque, começa pela conversão de um olhar parcial, julgador, interesseiro ou temeroso da cultura alheia para lançar sobre a Amazônia um olhar de respeito, de valorização, de reconhecimento das diferenças e riquezas. A partir da Exortação, o religioso aponta outras quatro conversões necessárias à Igreja:
A conversão do coração (no mundo bíblico, centro das decisões) que muitas vezes se encontra duro em seus posicionamentos dogmáticos e fechados em seus pré-conceitos, para um coração materno, cheio de amor que cuida, consola e cura.
A conversão das mãos para não ser apenas Igreja que aponta os pecados ou que castiga, mas ser também Igreja que estende suas mãos como símbolo de solidariedade, de ajuda e acolhida generosa, como mão que protege, defende, abençoa e parte o pão.
A conversão dos pés limpinhos, descansados, cuidados, acomodados em uma Igreja fechada, para pés enlameados, peregrinos, pés que estão em constante busca dos irmãos, principalmente aqueles mais afastados e esquecidos.
A conversão da voz autoritária, agressiva, que impõe sua verdade, para uma voz que sabe calar para ouvir o pequeno, que anuncia o Reino para todos, que denuncia o sofrimento dos povos amazônicos, que exorta os pecadores à conversão e que não negocia a Verdade de Deus por nenhum preço.
“Neste segundo Capítulo da Querida Amazônia, Francisco busca ajudar toda a Igreja a crescer na consciência de que ‘Deus reflete algo da sua beleza inesgotável também através dum território, de seus povos e de suas características’ (32). E, assim como é central para os povos amazônicos cuidar de suas raízes, para toda a Igreja é central fazer-se lugar de diálogo, de acolhida e de esperanças compartilhadas”, conclui.