Dia Nacional do Cigano é celebrado nesta sexta-feira


 


 


Dia Nacional do Cigano é celebrado nesta sexta-feira


Uma conquista importante para a história dos povos ciganos no Brasil foi o Decreto Presidencial de 25 de maio de 2006, que instituiu o Dia Nacional do Cigano, a ser comemorado anualmente no dia 24 de maio. Trata-se de um marco jurídico referencial, em que o estado reconhece a presença e a inserção cidadã dos ciganos na cultura brasileira.


Tendo em vista a importância desse dia, e dado o espaço em que os ciganos ocupam na sociedade, que ainda é de abandono e vulnerabilidade, o bispo referencial da Pastoral dos Nômades, dom José Edson Santana Oliveira divulgou uma mensagem ao povo cigano intitulada “Ciganos e Políticas Públicas”.


No texto, o bispo defende a necessidade de os ciganos terem acesso, no espaço concreto da sociedade, às políticas públicas e em especial a áreas específicas como saúde, educação, meio ambiente, habitação, assistência social, lazer, transporte e segurança. “São essas exatamente as frentes que não chegam aos povos ciganos no Brasil”, aponta dom Edson.


Confira o texto na íntegra:


CIGANOS E POLÍTICAS PÚBLICAS


Uma conquista singularmente importante para a história dos povos ciganos no Brasil foi o Decreto Presidencial de 25 de maio de 2006, que instituiu o dia nacional do cigano, a ser comemorado todo dia 24 de maio. Trata-se de um marco jurídico referencial, em que o estado reconhece a presença e a inserção cidadã dos ciganos na cultura brasileira. Esse Decreto vem sendo um instrumento de trabalho das secretarias de políticas de promoção da igualdade racial e da dignidade dos Direitos Humanos dos povos ciganos, sobretudo servindo como ponto de partida e referência para fundamentar o direito a ter direitos para uma etnia que sofre a discriminação e o abandono dos poderes públicos. Além disso, o Decreto deu maior visibilidade a esses povos invisíveis até então. De 2006 para cá, as secretarias específicas do Estado têm trabalhado na aplicação do princípio da não discriminação em relação aos ciganos, buscando uma igualdade de direitos, garantias e de deveres para esses povos na sociedade. Mesmo assim, os ciganos ainda ocupam o lugar de maior abandono e vulnerabilidade quando o assunto é a atenção do Estado e aceitação por parte da sociedade. Em nosso meio, ainda há inúmeras pessoas que se sentem ameaçadas apenas por compartilhar com um cigano uma relação social que com outro compartilharia naturalmente.


O Estado precisa trabalhar na promoção do conhecimento da história, cultura e vida dos povos ciganos, com vista a promover uma melhor interação, integração e valorização desse povo ainda marginalizado. No Brasil, já há cartilhas, manuais e livros que contam a história dos povos ciganos, mas esse material ainda é escasso e pouco utilizado na educação. Aos ciganos não é reservado o mesmo espaço de discussão que há para outras etnias e culturas diferentes. Nos dias atuais, e, mediante a infeliz constatação do lugar de inferioridade onde são posicionados os ciganos, se torna imperativo que na esfera pública, o Estado promova políticas de atenção ao atendimento dos direitos e garantias constitucionais que bem aplicadas muito servirão para o bem desses povos. O cenário atual não difere muito daquele do início do Brasil, quando os ciganos só ocupavam lugar de destaque na sociedade, por via negativa, apenas quando causavam algum desconforto para os que detinham o poder.


Diante da cultura brasileira, a cultura cigana enfrenta o estranhamento, a suspeita e a rejeição. Parece que para alguns grupos sociais, os ciganos são e continuarão a ser uma ameaça. Aquela ameaça que é gerada pelo preconceito, pelo medo e pela ignorância de que as Nações Unidas, reunindo a sua experiência política e histórica, reconheceu, validou e institucionalizou a igualdade de direito para todos, a rejeição a toda e qualquer forma de discriminação, rejeição e exclusão. O reconhecimento de que todos fazemos parte da grande família humana, e que enquanto seres humanos, e mais que isso, como filhos e filhas de Deus que é Pai e que nos ama, já não há mais espaço para qualquer tipo de ação negativa contra o ser humano. As comunidades que já fizeram a experiência da acolhida e da integração dos grupos ciganos em sua realidade plural, experimentam essa experiência de acolhida e de reciprocidade de um povo que traz consigo uma história que somada aos nossos valores e tradições, serve em muito, 2 para o crescimento de todos os princípios mínimos exigidos pelo humanismo cristão e pelo espírito de fraternidade promovido pelos povos do mundo. O ponto de partida para encontrar todas as respostas aos que ainda não acolheram e, portanto, não conhecem os ciganos é a acolhida fraterna.


A rejeição e a discriminação contra os povos ciganos não podem ser mais aceitas em nossa sociedade. Da mesma forma, a omissão e descaso do Estado, do Estado democrático de direito, é inaceitável e precisa ser revista imediatamente. Por que nossa civilização avançou em muitas direções e ainda não aprendeu a conviver com o diferente? Por que não entendemos que a discriminação é um retrocesso com erro e sua repetição continuada nos ofusca de ver os valores e de respeitar pessoas que como nós merecem respeito? O estigma social associado aos povos ciganos em nossa cultura brasileira, retrata representações vergonhosas e negativas, desconstrói avanços e conquistas valiosas para a nossa cultura e a nossa história. A Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, órgão do Governo Federal responsável pela elaboração e promoção de políticas públicas para atender as minorias em nosso país, justifica que o processo de elaboração e de execução de políticas públicas que atendam aos povos ciganos, obedece a metodologias de coletas de indicadores sociais, criação de banco de dados sobre as populações ciganas. Essas ações se revestem de outro grande desafio, a mobilidade social característica desses povos. Além disso, a discriminação e o processo de rejeição desses povos, aumenta a dificuldade por resultados positivos e que reflitam a realidade em que vivem os povos ciganos no Brasil. Sem esses dados, mesmo que o estado consiga mobilizar a sociedade para a organização de políticas públicas que garantam a extensão dos direitos constitucionais aos povos ciganos, eles serão prejudicados, porque tais políticas não alcançaram suas reais necessidades. Sabe-se que a situação dos povos ciganos no Brasil, está ligada, em grande parte, com a existência e aplicação de políticas de inclusão social dos ciganos. O Guia de Políticas Públicas para os Povos Ciganos elaborado pela SEPPIR, traz quatro linhas gerais que apontam direções que precisam ser atendidas por políticas públicas específicas. São elas, os Direitos Humanos; as políticas sociais e de infraestrutura; as políticas culturais e o acesso à terra.


Sobre a realidade hostil com que a nossa sociedade trata os povos ciganos o Papa Francisco injetou uma fórmula de solução imediata: “o amor é a civilidade”. O Papa deu-nos essa tese rechaçando toda e qualquer forma de rejeição, hostilidade e violência praticada pela sociedade para com os ciganos. Aos ciganos e ao mundo o Papa Francisco disse: “é verdade, existem cidadãos de segunda classe. Mas os verdadeiros cidadãos de segunda classe são aqueles que descartam as pessoas: estes são de segunda, porque não sabem abraçar. Sempre com o adjetivo excluem os outros. Ao invés, a verdadeira estrada é a fraternidade”. (Vatican News – audiência do Papa com os ciganos neste maio de 2019). Os ciganos para se defender das hostilidades sofridas, aprenderam a conviver com a sociedade brasileira de um modo próprio. E mesmo esse modo gera desconforto nas pessoas que querem os ver como uma ameaça. A história mostra em outras etnias, que a cultura predominante sempre rejeitou o diferente. Não será difícil testemunhar ciganos ao se dirigirem aos não ciganos, no Brasil, utilizam o termo brasileiros. É como se eles, os ciganos, nascidos e criados no Brasil, não fossem também brasileiros. É incrível como um povo tão discriminado, rejeitado, odiado e sem espaço na esfera pública consegue ter alegria, paz e viver com esperança e fé em Deus. É triste como uma sociedade tão civilizada, tecnológica, pós-moderna e cheia de riquezas e respostas para todos os problemas, consegue se ater tão pobremente ao 3 sentimento de desprezo para com o semelhante, em razão de sua etnia. O nomadismo é interpretado como perigo para o sedentário. Os livros de História mostram que Portugal mandou ciganos para a Colônia (o Brasil) como cumprimento de degredo, uma forma de limpar Portugal de pessoas indesejáveis.


As políticas públicas têm como objetivo primeiro, o atendimento das necessidades e lacunas sociais, com vistas a promover o bem-estar da sociedade e servir para assegurar os direitos de cidadania para os grupos sociais. Trata-se de uma ação do Poder Executivo. É o atendimento do Estado onde há ausências. A elaboração e a execução de qualquer política pública depende exclusivamente da vontade política e no Brasil, parece que ainda, até hoje, não houve vontade política explícita para atender a demandas solicitadas pelos ciganos desde o Brasil Colônia. Por vezes, essa vontade emana do povo, como deveria ser. Em outras situações é mera oportunidade para que políticos se aproveitem do discurso de assistencialismo para parecer defender interesses da população mais carente e sofredora. No espaço democrático, as políticas públicas são os meios através do quais o estado consegue chegar aos cidadãos esquecidos nas margens da sociedade. No espaço concreto da sociedade, as políticas públicas atendem a áreas especificas como saúde, educação, meio ambiente, habitação, assistência social, lazer, transporte e segurança. São essas exatamente as frentes que não chegam aos povos ciganos no Brasil. São essas as atenções que a sociedade brasileira e o Estado brasileiro esqueceram de dispensar de igual maneira aos nossos ciganos. Por isso, reiteramos o nosso entendimento de que os povos ciganos são sujeitos de direito dessas políticas públicas que devem chegar até eles, o mais rápido possível e sanar lacunas abertas por chagas propositalmente produzidas pela sociedade ao virar às costas a esses povos que fazem parte, por direito, da comunidade humana brasileira. É o mínimo que a sociedade e o Estado brasileiro devem fazer.


Em Jesus e Maria, Mãe e Serva. Dominus Tecum!


Eunápolis, Ba, 22 de Maio de 2019.


 


Dom José Edson Santana Oliveira


Bispo Diocesano de Eunápolis


Costa do Descobrimento Pastoral dos Nômades