Nesta terça-feira, 20 de novembro, os bispos que compõem o Conselho Permanente da CNBB dedicaram uma sessão de trabalho ao aprofundamento do estudo sobre o momento sócio-político atual do Brasil. Quem colaborou com o Conselho apresentando uma reflexão pessoal sobre o momento foi o advogado Melillo Dinis do Nascimento, analista político, professor e pesquisador especialista em Direito Público, diretor desde 2012 do Instituto Brasileiro de Direito e Controle da Administração Pública (IBDCAP), em Brasília (DF).
Situação atual
“O Brasil precisa retomar sua estabilidade econômica e institucional, além de recuperar um mínimo de confiança na política. Necessita de práticas que incorporem as conquistas da democracia e garantam um mínimo de equilíbrio, começando pelo emocional, social e econômico. Isto não irá ocorrer por conta de uma pessoa, mas de um projeto nacional em que homens e mulheres retomem seu protagonismo no modo de fazer a política“, afirmou o advogado em artigo publicado em outubro do ano passado.
Dinis vê uma realidade diferente daquela que projetara em sua reflexão: “hoje, há um quadro complexo da política no Brasil“. Inicialmente, ele falou aos bispos sobre possibilidades e probabilidades e lembrou que várias projeções sobre o que está acontecendo se esbarra entre uma coisa e outra e, algumas vezes, é mais provável do que possível. Para ilustrar essa percepção, o advogado apresentou aos membros do Conselho uma alegoria de um parque de diversões para explicar a mudança de visão da política brasileira depois das eleições de 2018: antes, se parecia mais com um carrossel no qual as figuras dos atores políticos executavam movimentos que, no máximo, trocavam o papel de cavaleiros para o papel do cavalo. Agora, a realidade se parece mais com uma montanha russa que desemboca num trem fantasma.
“O eleitor desapareceu no dia 28 de outubro, as 17 horas“, disse Dinis. Depois daquele dia e hora voltou a existir somente o povo brasileiro. Mesmo com uma alienação eleitoral de mais de 43 milhões de pessoas, o vencedor do pleito assume a tarefa de presidir o processo de governo de todo o povo. “Mesmo que seja o óbvio, ganhou quem conseguiu mais votos“, afirmou. Segundo o advogado, numa eleição disputadíssima, o movimento vitorioso mudou o eixo de revezamento partidário entre duas forças de social democracia e foi a força política que mais soube transformar proeminência, isto é capacidade de se destacar, em vitória eleitoral.
Câmara e Senado
Segundo o advogado, a nova Câmara dos deputados sofreu uma explosão de renovação, serão 274 deputados que chegarão ao parlamento pela primeira vez. Além da inexperiência que, de alguma maneira, pode influenciar no comportamento dos novatos, o quadro é muito fragmentado se observadas as cores partidárias e as mudanças numéricas das chamadas bancadas temáticas. Para essa nova composição, pode-se vislumbrar “dificuldades de conciliação“, disse Dinis.
Dinis lembrou que as últimas eleições renovaram dois terços dos membros do Senado Federal. Falou das legendas que mais ganharam e aquelas que perderam na nova composição, exemplificou as mudanças ilustrando com listas de políticos experientes que perderam suas cadeiras para novatos, mas acentuou que, no fim das contas, a Casa ainda é um tradicional lugar de conciliação.
Em sua análise, Dinis lembrou que, objetivamente, a base do governo não vai dispensar um importante trabalho de negociação tanto no Senado como na Câmara. Falou que há temas prioritários que serão apresentados ao Parlamento e que vão exigir grandes discussões. Considerou ainda que os políticos chamados de “centro” perderam força, mas que terão um papel importante no âmbito dos debates e das mudanças. O advogado também tratou, brevemente, da eleição para governadores e disse que, em alguns casos, os resultados se constituíram em verdadeiros fenômenos eleitorais como aqueles ocorridos no Rio de Janeiro, Brasília e Minas Gerais onde os vencedores eram desconhecidos ou pouco considerados nas pesquisas realizadas antes da campanha eleitoral.
Cenários políticos
Para finalizar sua exposição aos bispos, Dinis lembrou quatro possibilidades de cenários políticos para os próximos anos e evitou concluir quais deles serão os mais prováveis. Entre esses cenários, ele mostrou aquele que se caracterizaria por um governo realizado por um presidencialismo de coalização. Nesse caso, seria mantida uma realidade razoavelmente conhecida pelas experiências anteriores. Fora isso, os outros cenários são marcados por características surpreendentes e de difícil análise de consequências.
De todo, modo, finalizou dizendo que há certeza na questão da ordem, mas muitas incertezas em relação a cultura e as minorias. Falou ainda que se há uma crise de sentido instalada no Brasil e um cansaço de transcendência. Há sinais de esperança, no entanto, considerando a força da sociedade civil e os valores defendidos pela CNBB como os da comunhão e da solidariedade.
Dinis terminou sua exposição, sucedida por uma conversa aberta com os bispos, citando Guimarães Rosa: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem“.