+Edson de Castro Homem, Bispo Emérito de Iguatu.
Iniciamos o tempo quaresmal de nossa preparação para a Páscoa com o rito das cinzas. A leitura de Paulo dá o sentido deste tempo favorável por excelência. É chamado de kairós para distinguir de cronos. Este equivale à cronologia, o tempo que se sucede e é medido por horas, meses e ano. Aquele diz respeito ao tempo da graça, que quer dizer quando Deus age em nós.
Desse modo, entendemos a liturgia, especialmente a quaresmal, quando São Paulo nos diz do kairós: “Eis agora o tempo favorável. Eis agora o dia da salvação” (2Cor 6,2). O rito das cinzas favorece à simbologia, unindo o gesto à Palavra, seja quando se usa a expressão bíblica “lembra-te que és pó e em pó hás de tornar” seja a expressão de Jesus “convertei-vos e crede no Evangelho”. Ambas são para serem vividas com a urgência do agora, do hoje, do aqui. Diante da ação da graça divina não podemos deixar para amanhã o que Deus quer nos oferecer agora: o dom da conversão.
O Papa Francisco deu à Quarta-feira de Cinzas de 2022 um sentido de responsabilidade sociopolítica ainda diante da possibilidade de a Rússia invadir a Ucrânia. Promoveu a oração e o jejum desse dia pela paz. Quando a invasão se tornou um fato injustificável de prepotência do mais forte, a oração e o jejum se tornam gestos que falam. Por isso, podem ser chamados de proféticos. Aliás, lembra-nos a narrativa de Golias, o gigante, contra Davi.
Por que orar pela paz? Porque é dom de Deus embora seja fruto da atuação responsável dos chefes das nações. São os primeiros responsáveis pela paz de seus povos em todos os significados dessa palavra. Porque a paz é fruto da justiça no dizer do profeta Isaías. Quem se compromete com a equidade e a justiça se compromete com a paz. Porque Jesus lançou uma bem-aventurança sobre a paz que empenha a existência do seu discípulo(a). Porque quem ora em favor da paz se compromete com o que pede. Porque a paz é necessária, pois tudo se perde com a guerra.
Se Santo Agostinho definiu a paz como sendo tranquilidade da ordem, São Paulo VI definiu-a como equilibro no movimento. De fato, os que promovem guerras, divisões e separações vivem na intranquilidade da desordem ou são pessoas desequilibradas. Tudo começa no coração intranquilo, cheio de cobiça e de insatisfação. Observem.
A oração nos faz ser abertos a Deus que nos tranquiliza e nos faz viver integrados e solícitos ao nosso próximo, esteja perto ou longe. Favorece à empatia e compaixão pelo outro. O jejum nos livra de nós mesmos e de toda perturbação e reforça nossa capacidade de sermos mansos ou respeitosos.
Inicia-se a Campanha da Fraternidade. Ela nos ajuda a vivenciarmos a dimensão comunitária e social da Quaresma. Portanto, também tem um sentido político, benfazejo e dinâmico. O tema FRATERNIDADE E EDUCAÇÃO está necessariamente em relação com a dinâmica da paz. Educar para a fraternidade é, sobretudo, educar para a paz. Igualmente, o lema bíblico provoca nossa oração e solicita atitudes criativas: “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26). Sabedoria e amor apontam para a pedagogia da educação.
A propósito, desejo de coração aos leitores uma santa Quaresma. Seja o tempo da graça de Deus para todos. Seja o tempo de evangelização da nossa sociedade, carente de fraternidade, educação e paz. Só não vê quem não quer.