A pregação de João Batista, chamada de anúncio da Boa-Nova, não é um conjunto de advertências moralistas a fim de provocar apenas reações emocionais (pavor, medo) nem mesmo pios conselhos evasivos e genéricos para contentar a todos e a ninguém. Mas, antes de tudo, deve-se reconhecer que a autoridade das suas palavras (“voz que clama”) está na coerência do seu estilo de vida (“vestia-se de pele de camelo e alimentava-se com mel silvestre”). Para além da severidade realista das suas palavras, é a sua austeridade que testemunha a radicalidade da sua missão, dando-lhe as credenciais necessárias para proclamar a chegada do Messias, que “virá com a pá na mão para limpar sua eira e recolher o trigo no celeiro…”
A conversão é um dos pontos comuns da pregação tanto do profeta João Batista quanto do Messias Jesus. O precursor, emprestando a sua voz, faz ressoar o grande apelo de Deus: “Produzi, pois, frutos que provem a vossa conversão” (Lc 3,8). Apelo de conversão dirigido a todos, não apenas àqueles que são reconhecidos publicamente como pecadores. O caminho de conversão proposto por João Batista é muito concreto. Não se perde em palavreados bonitos, mas toca na realidade de cada pessoa necessitada de mudança. Não assume posições politicamente corretas para ter trânsito livre e ser aceito por todos, mas com coragem e verdadeira consciência de quem quer o bem do outro, desafia à mudança necessária e inadiável. Pois sem ela, será impossível encontrar o caminho da verdadeira vida: “toda árvore que não dá fruto será cortada…”. O Batista está convicto do anúncio que faz, mesmo que tenha de pagar um alto preço por isso (“O tetrarca Herodes, a quem havia admoestado…por todas más ações que havia cometido, acrescentou às demais ainda esta: pôs João na prisão”, Lc 3,19-20).
Dentre as multidões que acorriam ao batismo de João, destacam-se três grupos de pessoas: os judeus fundamentalistas (fariseus?), os publicanos e os soldados. A todos eles o profeta desafia a dar o primeiro passo do longo caminho de conversão, isto é, assumir gestos concretos de superação do egoísmo: “Quem tiver duas túnicas, reparta-as com aquele que não tem, e quem tiver comida, faça o mesmo”. Para nossa surpresa, o austero homem de Deus não impõe aos seus penitentes exigentes sacrifícios ou mesmo longas orações para obter a remissão dos seus pecados. O grande sinal da disposição de conversão é a decisão de mudar de rumo. É um caminho de interiorização que leva a sair de si mesmo indo ao encontro do outro, com quem viver a solidariedade efetiva, e não apenas de sentimentos e de belos princípios teóricos.
No Antigo Testamento, conversão (shub) tem conotação de mudança de rota, de retorno. Por isso, uma das grandes ingratidões do povo, e, portanto, seu pecado mais grave, é justamente afasta-se do seu Esposo e não retomar o caminho de volta (“Não voltaste a mim” Os 4,6.8.9.10.11). Já o Novo Testamento prefere indicar esta mudança com o termo metanoia (mudança de mentalidade).
Portanto, para o primeiro grupo, os judeus fundamentalistas, o apelo de conversão feito por João exigia romper com a mentalidade do particularismo racial e abrir-se à comunhão universal. Mais do que povo exclusivo, Israel era povo escolhido com uma missão específica: ser sinal de salvação para toda a humanidade, luz para as nações. Contudo, orgulhando-se disso, restringiu a sua missão a privilégios e à simples observância de ritos religiosos externos. Por isso o profeta provoca: “Quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir?” (Subentende-se que eles procuram o batismo de João, como rito externo de purificação, para garantir a salvação). Ademais, não bastava afirmar ser “filho de Abraão” para ter a certeza de fazer parte do povo eleito de Deus, apelando simplesmente para os laços carnais que os ligavam a uma raça, porquanto ironiza o Batista: “Até dessas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Lc 3,8). Aqui o jogo de palavras do hebraico é bem sugestivo: pedras (abanim), filhos (banim). Para além de um pai Abraão, cuja descendência é penhor inquestionável de pertença à comunidade dos eleitos, há o Pai de todos (Lc 11,2), que destina a sua salvação a todas as pessoas (II Domingo Advento). A conversão é a única e suficiente condição para a salvação.
Ao segundo grupo, os publicanos, o Precursor denuncia o seu principal pecado, indicando-lhe um modo concreto de conversão. Como eram colaboradores do Império Romano, aproveitavam da situação para se enriquecer através da exploração do povo. Ultrapassavam o que era determinado por Roma, cobrando excessivamente as taxas. Não há outra saída para eles senão abandonar a mentalidade e práticas corruptas, “não deveis exigir mais do que vos fora prescrito”. Por fim, ao terceiro grupo, os soldados, são exigidas duas mudanças radicais em contraposição ao seu abuso de poder: nem violência física (“não tomeis à força dinheiro de ninguém”) nem violência psicológica (“nem façais falsas acusações”). Contentar-se com o que recebem é lutar contra o espírito de ganância cujos frutos são injustiça e violência.
Diante desses apelos concretos de conversão, podemos compreender que converter-se é, antes de tudo, colocar o que somos e temos a serviço dos outros. Por conseguinte, a conversão possível e necessária para todos se concretiza no serviço ao próximo que exige mudança de mentalidade e de atitudes, superando as tendências à injustiça, violência e opressão.
Apesar de o batismo de João não ser o definitivo, como ele mesmo afirma, pois é anúncio do que está por vir: “Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo”, deve marcar um início decisivo para quem deseja retomar o caminho da vida, traçado pelo Messias. É o ponto de partida de todo processo de conversão. João aponta o caminho, Jesus ensina como caminhar. Advento é momento de acolher o apelo do Batista, que nos faz refletir como concretamente viver a conversão, que, por sua vez, vai se construindo à medida que respondemos a pergunta: “E nós o que devemos fazer?”
Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana