Por: Dom João Justino de Medeiros Silva – Arcebispo de Montes Claros
O ser humano é dotado de desejos e necessidades, e busca saciá-los ao infinito. Nada aplaca sua sede e sua fome, suas carências e vazios. Sabe-se que os bebês choram, principalmente, por dois incômodos: fome e dor. À medida que crescem chorarão por outros motivos e aprenderão a fazer manhas. Foi assim com todos nós, sem exceções. Boa parte do processo de socialização e de educação será para introduzir aquela criança na cultura e na ética. O seu querer deverá ser conduzido por valores que garantam a convivência social. Para isso, será fundamental o aprendizado de lidar com o vazio, com a falta, com a lacuna, ainda que seja tarefa difícil, já que vivemos numa sociedade de mercado e para cada eventual vazio se produzem mercadorias e se criam necessidades.
Observa-se, há algum tempo, como às crianças foi imposto um ritmo de vida de adulto. Bem cedo, elas começam a ter agendas para marcar seus compromissos e responsabilidades. Muitas delas, geralmente de famílias com mais recursos, têm seu tempo ocupado com a escola e outras atividades educativas que vão preenchendo todos os espaços da jornada diária. Incute-se nelas a perspectiva de que estão se preparando para o futuro. Não é uma inverdade, mas é bem provável que o futuro delas será tão ocupado que elas já podem se sentir cansadas e, consequentemente, desmotivadas.
Nosso tempo parece ter de ser totalmente preenchido por atividades e não fazê-lo seria equivocado, um prejuízo, imediato ou futuro. Assim, tudo foi associado ao valor monetário. E mesmo o lúdico passou a ter valor de consumo. Por que uma criança de aproximadamente três anos, graciosamente, diz à mãe que não aguenta mais ficar em casa e precisa ir ao shopping encontrar-se com as amigas? A cena estava num breve vídeo que teve, recentemente, dezenas de milhares de visualizações na internet. Como lidar com o tempo livre? O mundo contemporâneo parece nos condenar a ocupar todo tempo para trabalhar e para consumir. Desaprendemos a viver momentos de recolhimento, de ócio, de contemplação, de tédio, de espera, de vazio… Ao lado da cultura do descarte existe aquela do instantâneo e do êxito.
O isolamento social imposto em decorrência da pandemia do novo coronavírus evidenciou vazios dos quais as pessoas fogem com frequência. Falo do vazio que significa não ter no momento o que se deseja ou, também, de ter no momento o que não se deseja e não saber como lidar com a situação. Como se distrair num espaço bem menor que as ruas, os parques, os shoppings? Como conviver com alguém que está ao meu lado por longas horas? Como encarar a falta disso ou daquilo?
Até mesmo no âmbito eclesial, os fiéis tiveram de se deparar com a impossibilidade de frequentar celebrações e cultos. Por sua vez, os sacerdotes tiveram que lidar com a impossibilidade de poderem ter o povo de suas comunidades presente nas igrejas. Não poder ir à igreja, não poder receber a eucaristia, não poder se confessar se tornou para um número grande de fiéis um enorme desafio. E tudo isso por poucas semanas.
Ora, suportar o vazio, o não poder, o não saber é um fecundo exercício de maturidade. Aprender com o vazio instaura na pessoa a sabedoria de sua contingência e a devolve ao seu lugar de criatura. É um processo de humanização. O Filho de Deus não experimentou isso? Ele esvaziou-se a si mesmo até a morte e morte de cruz (Fl 2,6-8). Para os cristãos esse é um passo difícil de se dar. Mas necessário.