Há dez anos, um ato de solidariedade tornava-se uma ação concreta que se perpetuaria nas atividades missionárias do Encontro de Casais com Cristo (ECC) da diocese de Crato: a missa no Lixão de Juazeiro do Norte. E foi neste mesmo local, embaixo do pé de Juá, que catadores e catadoras de lixo, junto a membros do movimento religioso, se reuniram, na manhã deste sábado, dia 25 de maio, para participarem da celebração eucarística que, neste ano especial, foi presidida pelo padre José Gonçalves e concelebrada pelo padre Cícero José da Silva.
Além de proporcionar aos trabalhadores a participação na missa, os membros do ECC buscam fazer com que eles sintam-se valorizados e percebam a fraternidade gerada através da empatia. “Quando eles chegam que a gente dá a mão a eles, damos um sorriso, a gente sente que está fazendo uma mínima coisa, um grão de mostarda no meio das necessidades deles. De 2009 para cá, nos demos as mãos para fazer acontecer esta celebração em cada ano, contando com o apoio de padres da nossa diocese”, disse Elizabete de Sá Barreto Sabiá, idealizadora.
Para Cícero Carlos, conhecido como Miguel, que há quinze anos tira deste trabalho o sustento de sua família, a presença da Igreja Católica vem renovar a esperança, em meio a um cenário de grandes dificuldades. “Estamos aqui por necessidade, pois é daqui que tiramos o pão, compramos um caderno para um filho, compramos roupa. Não é fácil. Estamos sujeitos a doenças. Então confiamos na proteção de Deus. Sabemos que mesmo estando aqui dentro precisamos alimentar o espírito, escutar a palavra de Deus, o evangelho de Cristo e eles trazem isso pra gente. Pra nós a única e verdadeira proteção é Deus”, afirmou.
Após a missa foi servido a todos os participantes um lanche, como sinal de partilha, e, aos catadores e catadoras, incluindo seus filhos, entregues kits de higiene pessoal.
Como tudo começou
Atenta ao noticiário, dona Elizabete, chamada carinhosamente de Betinha, assistiu uma matéria de Marleide Duarte exibida no ano 2009 na TV local. A pauta: à noite no Lixão de Juazeiro do Norte.
“Me impressionou quando ela falou assim: ‘agora vamos conhecer como que é a noite no lixão’. Neste tempo moravam muitas famílias lá. Então, quando as câmeras foram apagadas, ficou só o escuro na tela da TV, por alguns segundos, e eu imaginei: isso é na minha cidade”, relatou.
Comovida com esta realidade ela que, na época, junto ao seu esposo João Aécio Sabiá, formava o casal diocesano do ECC na diocese de Crato, levou a matéria para exibir em uma reunião das equipes dirigentes, com a proposta de que a confraternização de natal, que estava marcada para o fim do ano, fosse substituída por uma visita ao Lixão, com a celebração da missa lá. “De imediato todos aceitaram e, partir de então, todos os anos a gente vem aqui celebrar este momento com eles”, disse.
Hoje o casal Betinha e Sabiá não fazem mais parte da coordenação diocesana, mas o gesto de solidariedade que teve como pontapé a atitude deles é perpetuado, sempre no mês de maio, por todas as coordenações do movimento na diocese de Crato.
Igreja em Saída
Ao final da missa, que também foi celebrada pela alma do catador Tarcízo Alves da Silva, de 31 anos, que morreu vitima de acidente no Lixão na última quinta- feira (23), o radialista Toninho Vieira, membro do ECC, leu uma citação do Papa Francisco, definindo esta ação missionária: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida, enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.
O Padre Cícero José pediu uma salva de palmas para todos os catadores e catadoras de lixo ressaltando que não importa o trabalho que gera vida, mas a dignidade com a qual se assume ele. “Que este espaço de trabalho seja, apesar dos desafios e exclusões, um lugar de encontro, ajuda e solidariedade”, desejou.
Hoje cerca de 220 pessoas trabalham no Lixão de Juazeiro do Norte.
Por: Jornalista Patrícia Silva (DRT 3815/CE)