Entrevista Mons. Vigano: Qual o antídoto para o veneno das fake news?
As fake news são um dos elementos que envenenam as relações. São notícias com sabor de verdade, mas de fato infundadas, parciais, ou até mesmo falsas., alerta o prefeito da Secretaria para a Comunicação
Cidade do Vaticano
Foi divulgada hoje, como é tradição, a mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, intitulada «“A verdade vos tornará livres”. (Jo 8,32) Fake News e jornalismo de paz». Pedimos a Mons. Dario Edoardo Viganò, prefeito da Secretaria para a Comunicação, uma primeira reflexão sobre o texto.
Mons. Viganó, a deste ano é a segunda mensagem do Santo Padre desde quando é “atuante” a Secretaria para a Comunicação. O que os dois textos têm em comum é o horizonte bíblico, já lembrado pelo título: “Não tenhas medo, que Eu estou contigo” (Is 43, 5), em 2017; “A verdade vos tornará livres”. (Jo 8,32), em 2018.
Não é uma escolha casual. De fato, toda a mensagem, mesmo em suas notas de atualidade, é baseada em uma forte raiz bíblica, bem como a do ano passado. O Santo Padre, desde o início do texto, lembra os episódios de Caim e Abel e da Torre de Babel (Gen 4: 1-16; 11: 1-9), precisamente para explicar que quando “o homem segue o seu próprio orgulhoso egoísmo, também pode fazer um uso distorcido da faculdade de comunicar”. Como podemos esquecer a Carta aos Hebreus? “Muitas vezes e de muitos modos, Deus falou outrora aos nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo” (Heb, 1: 1-2). Toda a história da salvação, isto é, da aliança renovada continuamente por Deus fiel ao povo muitas vezes infiel, é um diálogo interligado com chamadas, chamadas e bençãos. Até a manifestação de Jesus que, como o texto diz, é a Verdade. Esta é a pedra angular da mensagem, sobre a qual se baseiam depois as reflexões e o convite final do Papa para “promover um jornalismo de paz”. “Eu sou a verdade” (Jo 14, 6) não é uma afirmação conceitual ou um conhecimento abstrato. Em Cristo, as duas naturezas, a humana e a divina, não se confundem, mas se co-pertencem em uma unidade pessoal. A revelação de Deus em Cristo conserva a alteridade, tornando assim a verdade marcada pelo relacionamento. Somente isso liberta o homem: “A verdade vos tornará livres” (Jo 8, 32).
Portanto, uma forte referência à qualidade das relações que vem do cenário bíblico.
Na perspectiva relacional, fica claro o quanto a comunicação possa construir e quanto possa matar. Cain e Abel, bem como a Torre de Babel, são a prova clara disso. Não só … Há um belo texto de Dostoevskij, que o Santo Padre cita na mensagem: «Quem mente a si mesmo e escuta as próprias mentiras, chega a pontos de já não poder distinguir a verdade dentro de si mesmo nem ao seu redor, e assim começa a deixar de ter estima de si mesmo e dos outros. Depois, dado que já não tem estima de ninguém, cessa também de amar, e então na falta de amor, para se sentir ocupado e distrair, abandona-se às paixões e aos prazeres triviais e, por culpa dos seus vícios, torna-se como uma besta; e tudo isso deriva do mentir contínuo aos outros e a si mesmo» (Os irmãos Karamazov, II, 2). Interroguemo-nos, portanto sobre a qualidade do nosso relacionamento com os outros e conosco mesmo. “A comunicação humana – recorda o Papa – é uma modalidade essencial de viver a comunhão”. Mas se nossos relacionamentos são envenenados, de que comunhão poderíamos viver?
Para complicar as coisas, então, há falsas notícias, as chamadas fake news. Não são também elas essa causa desse envenenamento?
As fake news são um dos elementos que envenenam as relações. São notícias com sabor de verdade, mas de fato infundadas, parciais, ou até mesmo falsas. Nas fake news o problema não é a não veracidade, que é muito evidente, mas a verossimilhança. Na mensagem, o Santo Padre fala muito disso, lembrando a estratégia usada pela “serpente astuta”, da qual o Livro do Gênesis fala, “a qual, nos primórdios da humanidade, tornou-se a autora da “primeira fake news” (cfr Gn. 3,1-15), o que levou às trágicas consequências do pecado, concretizando-se depois no primeiro fratricídio (cfr Gn 4) e em outras formas inumeráveis forma de mal contra Deus, o próximo, a sociedade e a criação”. É difícil reconhecer as fake news porque tem uma fisionomia mimética: é a dinâmica do mal que sempre se apresenta como um bem facilmente alcançável. A eficácia dramática deste gênero de conteúdos está precisamente no mascarar a própria falsidade, na capacidade de se apresentar como plausíveis para alguns agindo sobre competências, expectativas, preconceitos enraizados dentro de grupos sociais mais ou menos amplos. Por esta razão, as fake news são particularmente insidiosas, dotadas de uma capacidade de capturar a atenção dos destinatários de modo notável. Aspectos acentuados pelo papel das redes sociais na iniciação e propagação, que, unidos a um uso manipulador, acabam levando a formas de intolerância e ódio.
Qual o antídoto para o veneno das fake news?
As falsas notícias, de fato, surgem do preconceito e da incapacidade de ouvir. “O melhor antídoto contra as falsidades – escreve o Santo Padre na mensagem – é deixar-se purificar pela verdade”. Só assim podemos contrastar, desde o seu surgimento, preconceitos e surdez, que não fazem nada senão interromper toda forma de comunicação, fechando tudo em um círculo vicioso. A capacidade de ouvir e, portanto, de diálogo exige uma maturidade humana que favoreça adaptações às diversas e inesperadas circunstâncias. A comunicação não é apenas transmissão de notícias: é disponibilidade, enriquecimento mútuo, relacionamento. Somente com um coração livre e capaz de escuta atenta e respeitosa, a comunicação pode construir pontes, oportunidades de paz sem fingimentos. Tudo isso nos exorta a não desistir na busca e na propagação da verdade, especialmente na educação dos jovens. Como recordava Paulo VI (cfr. Mensagem 1972: “As Comunicações sociais a serviço da verdade”): “O homem, e mais ainda o cristão, nunca abdicará jamais de sua capacidade de contribuir para a conquista da verdade: não só aquela abstracta ou filosófica, mas também aquela concreta e cotidiana de cada acontecimento: se o fizesse, prejudicaria sua própria dignidade pessoal”.
De que maneira os jornalistas e as instituições podem colocar em prática essa mensagem?
Em primeiro lugar, penso que seja colocar novamente no centro do debate a responsabilidade pela comunicação. Esse valor, junto com a liberdade de expressão, é capaz de tornar a comunicação mesma lugar de escuta, de diálogo e até mesmo de dissidência, ainda que nas formas da dialética normal da interação. Portanto, partindo dos requisitos básicos exigidos pela deontologia profissional, é necessário reconstruir o contexto para que os fatos relatados possuam uma luz autêntica sem sombras de meias verdades ou de verossimilhanças. Neste processo, creio que tanto os cidadãos como as instituições devem encontrar novas formas de alianças que vão da escola à política até às federações profissionais. Caso contrário, a profissão jornalística perderá além da credibilidade também a sua identidade.